A reestruturação da dívida de curto prazo sem quebra de contratos, mas com inteligência, transparência é uma necessidade urgente para garantir a sustentabilidade fiscal, proteger os investimentos sociais e preservar a soberania nacional.
Existe servidão financeira quando um país gasta mais com juros do que com saúde e educação. Essa é a realidade do Brasil atual, em que o peso da dívida pública consome a maior parte do orçamento, sacrificando o investimento social, travando o desenvolvimento e aprofundando a desigualdade.
Em 2023, os gastos com juros e amortizações da dívida representaram 43,23% do orçamento federal pago, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida. A Previdência ficou com 20,93%. Isso significa que apenas 35,84% do orçamento público foi destinado a todas as outras áreas: saúde, educação, segurança, cultura, infraestrutura. Um modelo que se repete em 2024, agravando-se, e, que compromete o futuro.
Enquanto isso, temos os maiores juros reais do mundo e uma dívida que se tornou a verdadeira âncora fiscal do país, favorecendo os credores do sistema financeiro — o chamado “paraíso dos banqueiros” e punindo a população. O cidadão brasileiro, contribuinte ou não, paga essa conta com inflação, desemprego, violência, educação, saúde deficitários, colapso dos serviços públicos.
A dívida bruta ultrapassou R$ 9 trilhões em outubro de 2024, segundo relatório do Banco Central. Cerca de 55% vence em até dois anos, o que gera imensa pressão sobre o Tesouro. Em 2024, o Brasil pagou cerca de R$ 990 bilhões só em juros. Um ciclo vicioso alimentado por aumentos da SELIC, que dizem combater a inflação, mas acabam por travar a economia real e favorecer a rolagem da própria dívida.
Nesse cenário, o recente e polêmico Pacote do IOF, não passa de uma batalha isolada na guerra fiscal de um Estado capturado por sua dívida. É uma tentativa de aumentar receitas sem mexer nos verdadeiros problemas estruturais — e, mais uma vez, jogando o custo no colo da população e empurrando o núcleo da crise para 2027.
Mas o dever de casa precisa ir além: o Governo Federal deve enfrentar a realidade com coragem. Isso significa:
• Promover uma reforma administrativa séria, com foco na eficiência do gasto público;
• Combater fraudes no INSS e rever distorções no sistema previdenciário;
• E, sobretudo, reestruturar parte da dívida pública de forma responsável, sem calote, com participação técnica de órgãos como o TCU e o Congresso Nacional.
O Tribunal de Contas da União, por exemplo, já alertou em seu Acórdão TC 016.094/2024-7 que há discrepâncias graves entre o cenário atual e os objetivos de longo prazo da dívida. O risco de insustentabilidade é real, e crescerá ainda mais com o aumento do déficit previdenciário e com a ausência de medidas estruturais.
Países como Portugal, Irlanda, Grécia e Equador já fizeram auditorias de suas dívidas. O Equador, inclusive, obteve resultados positivos. No Brasil, a auditoria da dívida está prevista no artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, mas nunca foi efetivamente cumprida. Em 2017, o veto do então presidente Michel Temer à participação da sociedade civil nessa auditoria foi um retrocesso.
Hoje, o Governo Lula 3, com baixa aprovação e frágil base política, não dá sinais de austeridade fiscal. Empurra a bomba da dívida e da previdência para 2027, esperando que o próximo governo faça o ajuste. Mas o tempo está se esgotando.
A omissão hoje pode ser o calote amanhã. A reestruturação da dívida de curto prazo sem quebra de contratos, mas com inteligência, transparência é uma necessidade urgente para garantir a sustentabilidade fiscal, proteger os investimentos sociais e preservar a soberania nacional.
Se nada for feito, seremos reféns eternos de uma servidão financeira imposta pela dívida e condenados a repetir, talvez com mais gravidade, o destino econômico da Argentina de anos recentes, que enfrentou o problema.
É hora de enfrentar o dragão da dívida com firmeza, serenidade e coragem. E romper o silêncio que cerca o maior problema estrutural do Brasil, que Pacote do IOF é como dar aspirina a paciente enfermo grave.
Recife/Olinda, 9 de julho de 2025
Por Antônio Campos